O QUE ENSINAR EM
LÍNGUA PORTUGUESA
O ensino atual da
disciplina foca a prática no dia a dia e mescla atividades de fala, leitura e
produção de textos desde cedo.
Até os anos 1970, o processo de
aprendizagem da Língua Portuguesa era comparado a um foguete em dois estágios,
como bem pontuam os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). O primeiro ia até
a criança ser alfabetizada, aprendendo o sistema de escrita. Já o seguinte
começaria quando ela tivesse o domínio básico dessa habilidade e seria
convidada a produzir textos, notar as normas gramaticais e ler produções
clássicas.
A partir dos anos 1980,
o ensino não é mais visto como uma sucessão de etapas, e sim um processo
contínuo. "O aluno precisa entrar em contato com dificuldades progressivas
do conteúdo. Desse modo, desenvolve competências e habilidades diferentes ao
longo dos anos", diz Maria Teresa Tedesco, professora do Colégio de
Aplicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
As situações didáticas
essenciais para o Ensino Fundamental passaram a ser: ler e ouvir a leitura do
docente, escrever, produzir textos oralmente para um educador escriba (quando o
aluno ainda não compreende o sistema) e fazer atividades para desenvolver a
linguagem oral, além de enfrentar situações de análise e reflexão sobre a língua
e a sistematização de suas características e normas.
Essa
nova concepção apresentava inúmeras diferenças em relação a perspectivas
anteriores. Desde o século 19 até meados do 20, a linguagem era tida como uma
expressão do pensamento. Ler e escrever bem eram uma consequência do pensar e
as propostas dos professores se baseavam na discussão sobre as características
descritivas e normativas da língua. "O objeto de ensino não precisava ser
a linguagem", explica Kátia Lomba Bräkling, coautora dos PCNs e professora
do Instituto Superior de Educação Vera Cruz, em São Paulo.
Os primeiros anos da
disciplina deveriam garantir a aprendizagem da escrita, considerada um código
de transcrição da fala. Dois tipos de método de alfabetização reinaram por
anos: os sintéticos e os analíticos. Os primeiros começavam da parte e iam para
o todo, mostrando pequenas partes das palavras, como as letras e as sílabas,
para, então, formar sentenças. Compõem o grupo os métodos alfabético, fônico e
silábico.
Já os analíticos propunham
começar no sentido oposto, o que garantiria uma visão mais ampliada do aluno
sobre aquilo que estava no papel, facilitando o seu entendimento. Pelo modelo,
o ensino partia das frases e palavras, decompostas em sílabas ou letras.
"Nesses métodos, o essencial era o treinamento da capacidade de
identificar, suprimir, agregar ou comparar fonemas. Feito isso, estaria formado
um leitor", explica Maria do Rosário Longo Mortatti, coordenadora do grupo
de pesquisa em História do Ensino de Língua e Literatura no Brasil, da
Universidade Estadual Paulista (Unesp), no campus de Marília.
Aqueles que já dominavam
essa primeira etapa de aprendizagem passavam para a seguinte. Na escrita, os
alunos deveriam reproduzir modelos de textos consagrados da literatura e caprichar
no desenho do formato das letras. Para fazer uma leitura de qualidade, o
estudante tinha como tarefa compreender o que o autor quis dizer - sem
interpretar ou encontrar outros sentidos.
As aulas focavam os
aspectos normativos e descritivos da língua e textos não literários - como o
acadêmico e o jornalístico - não eram estudados. "O coloquial ou informal
eram considerados inadequados para ser trabalhados em sala de aula",
explica Egon de Oliveira Rangel, professor do Departamento de Linguística da
Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo.
Concepções de linguagem alteram modo de
ensinar
Na década de 1970, uma
nova transformação conceitual mudou as práticas escolares. A linguagem deixou
de ser entendida apenas como a expressão do pensamento para ser vista também
como um instrumento de comunicação, envolvendo um interlocutor e uma mensagem
que precisa ser compreendida. Todos os gêneros passaram a ser vistos como
importantes instrumentos de transmissão de mensagens: o aluno precisaria
aprender as características de cada um deles para reproduzi-los na escrita e
também para identificá-los nos textos lidos.
Ainda era essencial
seguir um padrão preestabelecido, e qualquer anormalidade seria um ruído. Para
contemplar a perspectiva, o acervo de obras estudadas acabou ampliado, já que o
formato dos textos clássicos não servia de subsídio para a escrita de cartas,
por exemplo.
Em pouco tempo, no
entanto, as correntes acadêmicas avançaram mais. Mikhail Bakhtin (1895-1975)
apresentou uma nova concepção de linguagem, a enunciativo-discursiva, que
considera o discurso uma prática social e uma forma de interação - tese que
vigora até hoje. A relação interpessoal, o contexto de produção dos textos, as
diferentes situações de comunicação, os gêneros, a interpretação e a intenção
de quem o produz passaram a ser peças-chave.
A expressão não
era mais vista como uma representação da realidade, mas o resultado das
intenções de quem a produziu e o impacto que terá no receptor. O aluno passou a
ser visto como sujeito ativo, e não um reprodutor de modelos, e atuante - em
vez de ser passivo no momento de ler e escutar.
3 perguntas Eva Aparecida de
Oliveira Rosseto
Professora de Língua Portuguesa do 6º ao 9º ano da
EE Doutor João Ponce de Arruda e da EM São Sebastião, em Ribas do Rio Pardo, a
97 quilômetros de Campo Grande.
Quais são as atividades que marcam as suas aulas
hoje?
O foco é a análise dos textos, e não o ensino de
regras gramaticais. Conforme discuto as produções dos alunos durante as aulas e
faço as correções, mostro que faltou uma conjunção ou os melhores usos de um
pronome, procurando sempre aliar ao contexto. Mesmo assim, ainda tenho grandes
desafios.
Qual o maior deles?
A falta do hábito de leitura, o que prejudica os alunos no momento da compreensão dos textos. Para tentar solucionar essa questão, procuro apresentar vários gêneros, esmiúço cada um e provoco a interpretação para que a turma possa entender melhor o que está escrito.
Houve mudanças na maneira de ensinar nos últimos tempos?
Leciono há 24 anos, mas percebi que nos últimos 20 houve alterações na sala de aula. Antes disso, as fórmulas se repetiam. O livro didático era usado como único material e o foco principal de ensino era a gramática.
As contribuições de Piaget e Vygostsky
Essas ideias ganharam
suporte das pesquisas que têm em comum as concepções de aprendizagem sócio construtivistas,
que consideram o conhecimento como sendo elaborado pelo sujeito, e não só
transmitido pelo mestre. Entre os principais pensadores estão Lev Vygostsky (1896-1934) - que
mostrou a importância da interação social e das trocas de saberes entre as
crianças - e Jean Piaget (1896-1980) - pai
da teoria construtivista.
Nos anos 1980, Emilia
Ferreiro e Ana Teberosky, autoras do livro
Psicogênese da Língua Escrita, apresentaram resultados de suas pesquisas sobre
a alfabetização, mostrando que o aluno constrói hipóteses sobre a escrita e
também aprende ao reorganizar os dados que têm em sua mente. Em seguida, as
pesquisas de didática da leitura e escrita produziram conhecimentos sobre o
ensino e a aprendizagem desses conteúdos.
Hoje, a tendência propõe que certas atividades
sejam feitas diariamente com os alunos de todos os anos para desenvolver
habilidades leitoras e escritoras. Entre elas, estão a leitura e escrita feita
pelos próprios estudantes e pelo professor para a turma (enquanto eles não
compreendem o sistema de escrita), as práticas de comunicação oral para
aprender os gêneros do discurso e as atividades de análise e reflexão sobre a
língua.
A leitura, coletiva e
individualmente, em voz alta ou baixa, precisa fazer parte do cotidiano na
sala. "O mesmo acontece com a escrita, no convívio com diferentes gêneros
e propostas diretivas do professor. O propósito maior deve ser ver a linguagem
como uma interação", explica Francisca Maciel, diretora do Centro de
Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale), em Belo Horizonte.
O desenvolvimento da
linguagem oral, por sua vez, apesar de ainda pouco priorizado na escola,
precisa ser trabalhado com exposições sobre um conteúdo, debates e
argumentações, explanação sobre um tema lido ou leituras de poesias. "O
importante é oferecer oportunidades de fala, mostrando a adequação da língua a
cada situação social de comunicação oral".
Por esse entendimento da
leitura, da escrita e da oralidade, mudam os objetivos da Educação.
"Considerar que o objeto de ensino se constrói tomando como referência as
práticas de leitura e escrita supõe determinar um lugar importante para o que
os leitores e escritores fazem, supõe conceber como conteúdos fundamentais do
ensino os comportamentos do leitor, os comportamentos do escritor",
diz Delia Lerner no livro Ler e Escrever
na Escola, O Real, o Possível e o Necessário.
Para que a aprendizagem
seja efetiva, a intenção do educador deve ser a de extrapolar as situações de
escrita puramente escolares e remeter às práticas sociais. Dessa forma,
possibilita-se aos alunos o contato com gêneros que existem na vida real - e
não propor a elaboração de redações escolares sem contexto. "A
proficiência do aluno requer a aprendizagem não apenas dos conteúdos
gramaticais mas também dos discursivos", diz Kátia.
Mitos pedagógicos
Leitura pelo professor, só para quem
não sabe "Em
geral, o professor lê para as turmas até a 2ª ou 3ª série. Para os mais velhos,
pensa: se eles já sabem ler, não precisam mais de mim", exemplifica
Cristiane Pelissari, selecionadora do Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10.
Na verdade, a atividade é importante sempre e em todas as idades. "Ao ler,
o professor apresenta o material e o recomenda. Isso explicita quais os
critérios de apreciação utilizados, oferecendo referências a respeito
deles", esclarece Kátia Bräkling.
Lê antes, ganha livro depois Por muito tempo, acreditou-se que o
contato com os livros deveria acontecer quando a criança já tivesse o domínio
da leitura. "Se não sabe ler, não vai entender nem aproveitar o livro.
Mas, se aprender, ganha um título como prêmio", dizia-se. Hoje, no
entanto, sabe-se que é com o contato com textos que o aluno estabelece as
relações que podem desenvolver comportamentos leitores e ajudar os estudantes a
compreender a sua função comunicativa.
Fala errado, escreve mal É certo que o conhecimento linguístico
e a competência escritora causam um impacto na fala. Mas a relação entre ambas
as habilidades não é tão estreita assim a ponto de se afirmar que quem fala mal
escreve com dificuldade. Como a escrita não é a transcrição da fala, para
produzir bons textos é preciso praticar, conhecer e se apropriar dela.
Linha do tempo do ensino da Língua
Portuguesa no Brasil
1759 A Reforma Pombalina torna obrigatório no
Brasil o ensino de Língua Portuguesa nas escolas. A intenção é transmitir o
conhecimento da norma culta da língua materna aos filhos das classes mais
abastadas.
1800 A linguagem é vista como uma expressão do
pensamento e a capacidade de escrever é consequência do pensar. Na escola, os
textos literários são valorizados, e os regionalismos, ignorados.
1850 A maneira unânime de ensinar a ler é o método sintético. As letras, as sílabas e o valor sonoro das letras servem de ponto de partida para o entendimento das palavras.
1860 Desde os primeiros registros sobre o ensino da língua, a escrita é vista independentemente da leitura e como uma habilidade motora, que demanda treino e cópia do formato da letra por parte do aprendiz.
1876 O poeta João de Deus (1830-1896) lança a Cartilha Maternal. Defende a palavração, modelo que mostra que o aprendizado deve se basear na análise de palavras inteiras. É um dos marcos de criação do método analítico.
1911 O método analítico se torna obrigatório no ensino da alfabetização no estado de São Paulo. A regra é válida até 1920, quando a Reforma Sampaio Dória passa a garantir autonomia didática aos professores.
1920 Inicia-se uma disputa acirrada entre os defensores dos métodos analíticos e sintéticos. Alguns professores passam a mesclar as ideias básicas defendidas até então, dando origem aos métodos mistos.
1930 O termo alfabetização é usado para determinar o processo inicial de aprendizagem de leitura e escrita. Esta passa a ser considerada um instrumento de linguagem e é ensinada junto com a leitura.
1940 As primeiras edições das cartilhas Caminho Suave e Sodré são lançadas nessa década, respeitando a técnica dos métodos mistos, e marcam a aprendizagem de gerações.
1970 A linguagem passa a ser vista como um instrumento de comunicação. O aluno deve respeitar modelos para construir textos e transmitir mensagens. Os gêneros não literários são incorporados às aulas.
1984 Lançamento do livro Psicogênese da Língua Escrita, de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky. A concepção de linguagem é modificada nessa década e influencia o ensino até hoje: o foco deveria estar na interação entre as pessoas.
1997 São publicados os PCNs pelo governo federal para todo o Ensino Fundamental, defendendo as práticas sociais (interação) de linguagem no ensino da Língua Portuguesa.
Fontes: Os sentidos da alfabetização, Maria do Rosário Longo Mortatti e PCNS
Metodologias mais comuns no ensino de
Língua Portuguesa
As aulas de Língua Portuguesa, desde o
século 19, foram marcadas pelos métodos de ensino de leitura e escrita nos anos
iniciais de escolaridade e normativos nos anos seguintes. Foram as pesquisas
dos últimos 30 anos que mudaram esse enfoque. Leia o perfil de cada fase.
MÉTODOS SINTÉTICOS
Foram predominantes no ensino da
leitura desde meados do século 19. A escrita era vista como uma habilidade
motora que requeria prática mecânica. Passada a alfabetização, os alunos
deveriam aprender regras gramaticais.
Foco A alfabetização se inicia com o ensino
de letras e sílabas e sua correspondência com os sons para a leitura de
sentenças. Nas séries finais, só os clássicos são trabalhados, já que a
intenção é ensinar a escrever usando a língua culta e a ler para conhecer
modelos consagrados.
Estratégia de ensino As técnicas de leitura adotadas desde
cedo são a silábica, alfabética ou fônica. Os mais velhos copiam textos
literários sem levar em conta o contexto e o interlocutor.
MÉTODOS ANALÍTICOS
Surgiram no fim do século 19, em
contraposição aos sintéticos. A alfabetização segue como uma questão de treino
e o enfoque dos anos seguintes voltado ao debate das normas.
Foco A alfabetização parte do todo para o
entendimento das sílabas e letras. Pouco muda nas técnicas para as séries
finais do Ensino Fundamental.
Estratégia de ensino Mostrar
pequenos textos, sentenças ou palavras para, então, analisar suas partes
constituintes e o funcionamento da língua.
PROPOSTA CONSTRUTIVISTA
Ganhou força na década de 1980, com as
pesquisas psicogenéticas e didáticas e a concepção interacionista de
linguagem.
Foco O estudante deve refletir sobre o
sistema de escrita, seus usos e suas funções. Os objetos de ensino são o
sistema alfabético e os comportamentos leitores e escritores.
Estratégia de ensino Leitura e escrita feitas pelo
professor, produção de textos, leitura (individual e coletiva) dos próprios
estudantes e reflexão sobre a língua. Textos de diversos gêneros devem ser
trabalhados desde o início da alfabetização até os anos finais.
Expectativas de aprendizagem em Língua
Portuguesa do 1º ao 9º anos
Ao fim do 5º ano, é importante que o aluno saiba:
- Compartilhar a escolha de obras literárias, a leitura, a escuta, os comentários e os efeitos das obras lidas com colegas.
- Usar o conhecimento que tem sobre os autores para interpretar o texto.
- Perceber no texto lido a relação entre propósito e gênero de que faz parte.
- Planejar o texto antes e enquanto está escrevendo, levando em consideração o propósito, o destinatário e a posição do enunciador.
- Consultar outros materiais de leitura que colaborem para a elaboração do texto. Revisar a própria produção enquanto escreve, refazendo diversas versões para elaborar um texto bem escrito e tomando decisões sobre a apresentação final dele.
- Buscar e selecionar informações, reunindo
material sobre um tema, decidindo que textos serão escolhidos e registrando por
escrito aspectos importantes encontrados.
- Aprofundar e reorganizar o conhecimento, fazendo resumos com as ideias principais do texto lido e relacionando as informações lidas com o propósito estabelecido.
- Elaborar textos escritos para explicitar o que aprendeu e preparar exposições orais.
- Narrar oralmente fatos do cotidiano, compartilhando opiniões e debatendo temas polêmicos.
- Informar-se sobre notícias divulgadas em jornais e revistas e prestar atenção em como a publicidade comporta-se, refletindo, identificando o destinatário e discutindo sobre o que vê.
Ao concluir o 9º ano, é desejável que o estudante esteja apto a:
- Aprofundar e reorganizar o conhecimento, fazendo resumos com as ideias principais do texto lido e relacionando as informações lidas com o propósito estabelecido.
- Elaborar textos escritos para explicitar o que aprendeu e preparar exposições orais.
- Narrar oralmente fatos do cotidiano, compartilhando opiniões e debatendo temas polêmicos.
- Informar-se sobre notícias divulgadas em jornais e revistas e prestar atenção em como a publicidade comporta-se, refletindo, identificando o destinatário e discutindo sobre o que vê.
Ao concluir o 9º ano, é desejável que o estudante esteja apto a:
- Ler individualmente e em grupo, conhecendo os clássicos e identificar recursos linguísticos, procedimentos e estratégias discursivas para relacioná-los com seu gênero.
- Fazer parte de situações sociais de leitura, como as discussões sobre obras lidas e a indicação das apreciadas.
- Escrever breves ensaios sobre obras literárias, expressar seus pontos de vista frente ao texto e levantar argumentos.
- Aprofundar-se sobre determinado autor, lendo suas obras, confrontando-as com interpretações, consultando textos sobre a vida e a produção dele, e explorar o estilo e os temas mais abordados por ele.
- Buscar informações, selecionando estratégias de leitura conforme os propósitos específicos.
- Complementar textos com informações provenientes de outras produções escritas, usando estratégias próprias de cada gênero.
- Organizar debates sobre temas de interesse geral e participar dele registrando dados de várias fontes.
A
insegurança na comunicação, principalmente em situações formais, demonstrada
pelos escolares, a incapacidade de redação na maioria dos candidatos em
concurso vestibular e a dificuldade de compreensão de textos em todos os níveis
escolares constituem indicações da importância do ensino na Língua Portuguesa,
cujo questionamento vem ocupando uma posição central no contexto educacional.
Essa
situação faz com que os professores de Português realizem estudos e pesquisas e
apresentem alternativas para melhor funcionalidade desse ensino, a partir da
análise das suas deficiências.
Os
profissionais da Língua Portuguesa voltam-se às ciências linguísticas como a
fonte de onde se podem inferir normas metodológicas para o ensino, que,
associadas aos princípios metodológicos, permitem uma tomada de posição mais
efetiva sobre o que ensinar e como fazê-lo.
Nossa
interpretação é de que o fato metodológico é realmente abrangente, visto
encerrar uma filosofia de educação, o pensamento de uma sociedade com
peculiaridades locais em permanente e acelerada mudança, e uma teoria linguística.
No Brasil, o
ensino da língua materna tem-se desenvolvido quase somente por meio do ensino
da gramática tradicional. E o pressuposto básico, nessa acepção, é de que saber
a teoria gramatical equivale a saber Português.
A gramática
é, portanto, colocada e vista como parte fundamental do ensino da língua.
Decorrentes dessas premissa surgem as diretrizes metodológicas: toda a teoria
gramatical é sistematizada e estruturada para que o escolar a domine no
processo de escolarização. Os conteúdos das oito séries de 1º grau e os das
três séries do 2º grau são reunidos num conjunto compartimentado. Há, assim,
onze compartimentos, cada um correspondendo a um ano letivo, complementados com
exercícios dimensionados, conceitos, regras e exceções.1
Embora essa
metodologia de ensino da Língua Portuguesa eivada só de gramática seja
desgastante, ela é de procedimento geral em classes de 1º grau.
O
posicionamento, visto assim, é fruto de uma tradição histórica, organizada numa
concepção clássica do ensino da língua, trazida pelos jesuítas. Em termos
concretos, essa tradição de ensino, que procurava seu aperfeiçoamento evitando
qualquer alternativa, fazia com que o professor que só havia aprendido
gramática, apenas gramática ensinasse, fechando assim um círculo vicioso, com
poucas perspectivas de mudanças.
Esse
posicionamento foi sendo reforçado e estratificado pelas principais normas
legislativas. Em 1959, por exemplo, a Portaria 36, do Ministério da Educação e
Cultura (MEC), disciplina a adoção da Nomenclatura Gramatical Brasileira e recomenda
seu uso no ensino programático como também em atividades que
visem à verificação da aprendizagem. Nessa mesma Portaria são definidas as
instruções quanto à seleção dos termos da nova nomenclatura: exatidão
científica do termo; vulgarização internacional e a sua tradição na vida
escolar brasileira.2 E quanto às recomendações atinentes à
aplicação, destaca-se: dá-se importância a revisão da doutrina gramatical e à
realização de pesquisas contínuas para detectar os erros mais comuns cometidos
pela coletividade escolar, atentatórios à gramática. Se é louvável a intenção
da Portaria com relação à revisão permanente da doutrina gramatical - o que
nunca foi feito - e com a pesquisa dos fatos linguísticos correntes - o que
também nunca foi feito - é lamentável a concepção linguística subjacente à
Portaria. É uma concepção defasada da variação linguística, vista como erros
atentatórios à gramática, proveniente de um ensino monolítico, onde não se
admitiam alternativas, características do ensino tradicional. Por fim, como um
simples apêndice, a Portaria faz breve referência a que o ensino se subordine a
um embasamento linguístico e a uma técnica dentro da Linguística Aplicada.
É
interessante ressaltar que os únicos efeitos concretos da Portaria 36 foram a
unificação da nomenclatura gramatical e o reforço da postura tradicional de
reduzir o ensino de Português ao ensino da gramática tradicional. A Portaria
não abre perspectivas de mudanças na orientação geral do ensino.
Apesar de a Lei 4.024, de 20 de dezembro de 1961,
ter representado um avanço em termos de legislação educacional, por dar maior
descentralização ao sistema, a essência do ensino da Língua Portuguesa
continuou a mesma.
A Lei
5.692/71, se bem que apresente também uma evolução do quadro da legislação, acabou
por produzir uma situação extremamente paradoxal no ensino da Língua
Portuguesa, quer em termos intrínsecos - contradição entre os pressupostos
gerais da lei e seus desdobramentos em textos complementares -, quer em termos
extrínsecos - a contradição entre a lei e sua aplicação.
Basicamente, a legislação assume a posição de
distinguir um ensino centrado no uso da língua de um ensino a respeito da
língua, acrescentando que o primeiro deve preceder ao segundo. Esses dados
ficam claros pela leitura do Parecer 853/71.
O artigo 5º
desse Parecer afirma que nas séries iniciais, sem ultrapassar a
quinta, a língua será desenvolvida sob a forma de Comunicação e
Expressão, tratada predominantemente como atividade; em
seguida, até o fim desse grau, sob a forma de Comunicação em Língua
Portuguesa, tratada predominantemente como área de estudo; no
ensino do 2º grau, sob a forma de Língua Portuguesa e Literatura
Brasileira, tratada predominantemente como disciplina.
O artigo 4º
define que nas atividades, a aprendizagem far-se-á principalmente
mediante experiências vividas pelo próprio educando no sentido que atinja,
gradativamente, a sistematização de conhecimentos (parágrafo
1º); nas áreas de estudo, formadas pela integração de conteúdos afins,
as situações de experiência tenderão a equilibrar-se com os conhecimentos
sistemáticos para configuração da aprendizagem (§ 2º); nas
disciplinas, a aprendizagem se desenvolverá predominantemente sobre
conhecimentos sistemáticos (§ 3º).3
Como foi
dito antes, a contradição se encontra no próprio corpo da legislação, assim
como nas situações em que ela é aplicada. Quanto à legislação, a um princípio
avançado - dar precedência ao ensino centrado no uso da língua - correspondeu
uma aplicação tímida (facilmente percebida no art. 5º) e não coerente, como
quando caracteriza os objetivos da área de Comunicação e Expressão para os
alunos de 5ª a 8ª série:
Visará introduzir o aluno na simbologia linguística,
desenvolvendo suas capacidades de expressão oral e escrita, fixando as
estruturas básicas da língua, conduzindo-o a uma evolução do seu pensamento
reflexivo (...) permitir a expressão individual, transformando-a em linguagem
organizada...4
Quanto à contradição encontrada nas situações
concretas de aplicação da lei, pode-se recorrer aos estudiosos da legislação.
Mesmo aos que chegam à conclusão da pertinência de tal legislação, não deixam
de enfatizar que, apesar de a legislação abrir um campo para a precedência do
ensino do uso sobre a sistematização da língua, muito pouco se fez, concretamente,
nesse sentido.
Aryon
Rodrigues, comentando a Resolução 853/71, fornece explicação dessa situação de
contradição entre a realidade e a lei quando diz:
Na prática
escolar até agora mais frequente dá-se, por exemplo, que a preocupação
prematura e exagerada com a função metalinguística vem a perturbar e mesmo
inibir o desenvolvimento das demais funções: não só o excesso de atenção e de
tempo destinados, já nas primeiras séries do 1º grau, a falar a língua
restringe, senão elimina as oportunidades de cultivar qualquer outra função linguística,
mas ainda a apresentação insistente e de forma inadequada de modelos
conflitantes com a competência linguística dos alunos acarreta nestes um
verdadeiro complexo de incompetência linguística, que tende a bloquear o exercício
de todas as demais funções da linguagem.5
Foram
vistos, até aqui, dois fatores que dificultam avanços na metodologia do ensino
da Língua Portuguesa: de um lado, a quase exclusividade do ensino de gramática
- fruto da tradição trazida pelos jesuítas - e, de outro, as contradições
internas e externas da legislação.
Poder-se-iam
acrescentar outros fatores como a grande defasagem entre as ciências da
linguagem e o ensino de Português e, por fim, a grande defasagem entre as
práticas realidades decorrentes, principalmente, das transformações pedagógicas
e os desafios colocados à escola pelas novas geradas na sociedade brasileira
pelo intenso processo de industrialização.
Dessas
transformações surgiu um conjunto de problemas que constitui um desafio aos professores
que buscam uma diretriz mais funcional ao ensino.
Numa
sociedade conservadora, a grande responsabilidade do professor era preparar a
criança para essa sociedade. O instrumental a ser usado já fora experimentado e
aprovado por gerações, restando apenas adotá-lo. Era característica dessa época
a apresentação de produtos feitos e acabados, assim como a memorização.
Surgiram, então, as transformações sociais decorrentes da industrialização.
Seus valores começaram a passar pelo crivo de uma forte e contínua crítica e
muita rejeição.
Despontaram,
assim, as novas formas de vida, as alternativas coexistentes, as minorias.
Perdeu a existência o homem-modelo de uma sociedade conservadora e estoica. O
modelo está sendo cada dia repensado. (Observe-se que se trata de uma análise
de tendências e não de fatos. Os fatos estão eivados de contradições das duas
tendências, o que faz com que o papel do professor sofra também essas
contradições).
Nesta
sociedade, cabe ao professor a tarefa de levar a criança a saber questionar, a
criar novos modelos. Para essa nova função, se o professor continuar a
trabalhar com o mesmo instrumental, sentir-se-á fatalmente insatisfeito, seja
porque ciente das mudanças, percebe-se defasado em sua formação, seja porque,
indiferente ao processo inovador, continua a visar um modelo anacrônico cujo
resultado nulo tem efeito frustrador para suas aspirações profissionais.
Um dos
resultados do processo peculiar de desenvolvimento da sociedade brasileira e
latino-americana é a situação socioeconômica de sua população, distribuída em
uma pirâmide cujo cume se está tornando cada vez mais alto mais fino e cuja
base se torna cada vez mais alargada. Uma das consequências dessa situação é o
analfabetismo e a marginalização cultural. Sem dúvida, o analfabetismo tende a
desaparecer à medida que se resolvem os problemas socioeconômicos. No entanto,
a maneira como é visto o analfabetismo tem repercussões variadas no desenrolar
da questão socioeconômica e educacional.
Se o
analfabetismo é considerado desligado da questão socioeconômica ou causador
dela (desde a simples afirmação de que pobre é fruto de sua ignorância, até a
mais sofisticada, de que essas pessoas são marginalizadas e tendem a praticar
desajustes sociais por falta de instrumentalização cultural), parte-se, em
geral, para a aplicação da teoria compensatória (como se fez em diversos
locais, por exemplo, nos Estados Unidos, onde o próprio governo a adotou),
julgando-se que "dando cultura" a essas populações resolver-se-iam
seus graves desajustes. Essa posição é traduzida, na prática, pelo menosprezo
da escola aos valores das crianças oriundas das faixas marginalizadas da
população, menosprezo esse que será uma das razões de seu fracasso escolar.
Críticas de ordem teórica e empírica foram levantadas contra tal
posicionamento. *
Se o
analfabetismo for encarado como consequência da situação socioeconômica, e é
assim que o entendemos, outro será o sentido e o valor do ensino de Português.
Poderá desempenhar papel importante na medida em que cria condições para que as
crianças possam ampliar seu universo de comunicações como perspectiva de
situar-se melhor em meio aos conflitos decorrentes de sua situação socioeconômica.
A leitura ganha valor à medida que ela é caminho para novas informações, para aprendizagem
de visões diferentes do mundo.
A leitura
passa a ser instrumento de libertação para a pessoa interpretar, refletir,
formar-se, conscientizar-se. O mais importante da leitura, nesse enfoque, é que
ela nos torna pensadores, pois irá instrumentalizar o indivíduo para uma
compreensão mais ampla do seu mundo e para a comunicação.
Dessa forma, a escola ganha novo sentido, o
professor já não é a única fonte de informação.
Outro
desafio para o ensino de Português é a extensão social dos mais variados meios
de comunicação, em decorrência dos avanços tecnológicos das últimas quatro
décadas. O indivíduo está cercado, por todos os lados, pela força dos meios de
comunicação, força essa que motiva as diretrizes da vida, que impulsiona, que
faz aparecer interesses e necessidades.
E, nesse
campo, os veículos de comunicação marcam presença: seja pelo número de horas
absorvidas pela assistência aos programas de TV, seja pela gama infindável de
opções no campo das publicações. O trabalho do professor de Português ganha
realce em face dessa situação, visto o aluno precisar adaptar-se criticamente a
ela, desenvolvendo a capacidade de maior compreensão dessas formas de
comunicação e evitando ser um receptor passivo: ele precisa discutir a mensagem
postando-se ativamente diante das situações criadas.
Um último
dado a ser considerado é o fato de a língua Portuguesa ocupar posição de
destaque na escola de 1º e 2º grau, isto por ser a disciplina base das outras
matérias de estudo, pois é
veículo de todos os conhecimentos que a escola
proporciona: fala-se e lê-se em português ao discutir sobre matemática ou
estatística, sobre ciências naturais ou químicas. Tudo reconduz ao português a
todo momento da vida escolar. O ensino de português é, por assim dizer, uma
espécie de educação permanente instalada na forma de todas as
disciplinas.6
Se o
indivíduo não conhece bem a Língua Portuguesa, não pode aprender adequadamente
aquilo que deseja. Se não aprende, não assimila e, por outro lado, torna-se
incapaz de elaborar um pensamento lógico.
No entanto,
tudo o que vimos discorrendo sobre ensino da Língua Portuguesa só se tornará
efetivo se as suas finalidades forem reexaminadas e seus métodos revistos a
partir de teorias recentes formuladas e que fornecem uma compreensão mais
abrangente do fenômeno linguístico. Dessa forma esse ensino assume, nos seus
multi aspectos, importância e novas perspectivas; e, na discussão das formas
que ele pode assumir, é essencial uma fundamentação científica, abandonando-se
a gramática tradicional como centro de ensino.
Diante das
inter-relações da língua com todos os aspectos da vida do indivíduo, fica claro
que o ensino não pode restringir-se à gramática tradicional e que as
alternativas deverão encontrar caminhos para a prática da abrangência. Esse
caráter abrangente é decisivo na metodologia do ensino da Língua Portuguesa e
resulta na necessidade de se analisar o descompasso entre a investigação
teórica da linguagem e a fundamentação do ensino de Português.
Observou-se,
até aqui, que no Brasil o ensino da Língua Portuguesa, apesar da sua
importância e multi aspectos, tem-se conduzido quase somente por meio da
gramática tradicional, sendo isso responsável por grande parte do insucesso dos
alunos na aprendizagem da língua materna e da falta de segurança na
comunicação.
Os próprios linguistas
nos seus estudos já não utilizam tal gramática como modelo analítico, salvo
criticamente, como ponto de partida para outros modelos mais coerentes e
abrangentes.
O ensino la Língua Portuguesa só pode ser
desenvolvido a partir de uma reflexão sobre a própria noção de língua e pela
análise da situação linguística em que todo o indivíduo está envolvido.
Isso implica dois aspectos:
1) entender o domínio da língua não apenas como um
saber sobre ela, mas primordialmente como o domínio de um conjunto de
habilidades de uso da língua em cada situação;
2) aplicar princípios la Linguística na metodologia
do ensino de línguas.
Os estudos
atuais procuram descartar, sobremaneira, não só o aspecto sistemático e
criativo da linguagem, mas também a adequação realizada em cada momento do ato linguístico.
A tendência é a de superar reduções excessivas praticadas em momentos
precedentes na investigação e integrar aspectos complementares decorrentes da
justa avaliação das dimensões social e individual dos usos como centrais e
determinantes.7
Paralela às
teorias e procedimentos da Linguística surge a Linguística Aplicada, como
disciplina científica, que é o ponto de convergência de uma multiplicidade de
investigações de alguns setores das ciências sociais, pedagógicas e didáticas
de línguas.
A aplicação
da Linguística implica uma compreensão das coordenadas e dos termos que
configuram o ato verbal e do complexo de funções nele inseridas.
Compreende-se,
desta forma, que o ensino da língua deve estar associado a uma ciência que é a Linguística.
Contudo, repensar o ensino de língua como fundamento na Linguística não
significa introduzir diretamente, nas escolas de 1º e 2º graus, as formulações
teóricas mais recentes; nem se trata de realizar um exercício meramente mecânico
de passar as conclusões teóricas para a atividade pedagógica; é, isto sim,
desenvolver uma pedagogia de Português a partir de se assumir uma ou outra ou
várias das diferentes teorias linguísticas. É um trabalho indireto e, por isso,
interdisciplinar.
Uma
compreensão mais rica do fenômeno linguístico - fornecida pelas formulações
teóricas - será o suporte para a definição de novas diretrizes para o ensino.
A linguística
aplicada ao ensino de línguas absorverá os aspectos centrais que decorrem do
conhecimento científico da natureza e funcionamento da linguagem e das línguas,
da sua aquisição e domínio por parte de um falante, do papel que desempenham no
seio das comunidades, e suscitará que informem a didática, constituindo-se em
instrumento de configuração, de equacionamento e também de resolução de
problemas que atingem esta área de atividade.8
Também não é
o caso de introduzir uma terminologia nova - oriunda das teorias linguísticas -
nas gramáticas tradicionais e no ensino - como tem ocorrido com certa frequência
- e pensar que se está com isso produzindo uma mudança qualitativa no ensino de
língua.
O ponto
crítico do ensino de Português tem sido a ênfase unilateral ao estudo da teoria
gramatical. Nossos alunos passam onze anos nas escolar e, frequentemente, o que
lhes é apresentado é apenas metalíngua - conceitos, regras, exceções.
Em estudos
realizados sobre a gramática tradicional, FARACO acentua que a língua continua a ser vista de modo cristalizado:
para as gramáticas tradicionais só existe uma língua portuguesa (aquela
prevista por elas); as variantes linguísticas, em geral, são vistas como formas
erradas, condenadas, não recomendáveis, uma espécie de corrupção da
língua verdadeira, pura.
Tem-se a impressão que a língua é
um fenômeno homogêneo e imutável no tempo: os fatos que as gramáticas
apresentam são, em geral, arcaicos.9
Entre os
motivos apresentados como contrários ao ensino da teoria gramatical, destacamos
dois: primeiro, o fato de que é possível dominar a língua sem conhecer-lhe a
teoria gramatical, como acontece na aquisição da língua pela criança; segundo,
o fato de que a teoria gramatical ensina nas escolas é bastante imprecisa,
defasada em relação às mudanças ocorridas na língua.
Concluímos,
então, que não se pode restringir o ensino da Língua Portuguesa ao ensino da
teoria gramatical.
Mas, além de
ter feito pouco esforço no sentido de criar uma linguística aplicada ao ensino
de Português, com suas naturais consequências para a formação do professor de
1º e 2º graus (basta lembrar que as normalistas não tem
nenhuma formação linguística), há um outro problema que afeta esse ensino, a
saber: a falta de descrições razoáveis da língua portuguesa nas modalidades em
que ela é falada aqui no Brasil, o que dificulta a orientação do seu ensino.
RODRIGUES
afirma que uma das tarefas da Linguística no Brasil é a investigação do nosso
idioma e que há necessidade de se analisar ou reanalisar a língua portuguesa de
um ponto de vista puramente descritivo.10
A esse respeito, ha necessidade de que em todos os
recantos de nosso país sejam feitas pesquisas linguísticas que venham
contribuir de forma prática para elaboração de uma descrição da língua nacional
que servirá de ponto de partida à atualização do ensino de nossa língua
materna.11
Se, de um
lado, uma descrição melhor da língua nos vai fornecer um panorama mais
atualizado dela - e poderemos trabalhar nas escolas com uma língua menos
arcaica e mais próxima das experiências e necessidades de nosso alunos -, será
também de utilidade adiantar diretrizes gerias para o ensino da língua como
base na aplicação de uma teoria que nos forneça uma noção mais abrangente dessa
língua, vista não apenas como um sistema formal, mas também como um sistema de
opções comportamentais.
Em relação
ao ensino de línguas, dois grandes objetivos podem ser esclarecidos. Se
entendermos língua como um sistema de opções comportamentais, o objetivo será
desenvolver nos alunos as habilidades de expressão e compreensão de mensagens
verbais: o uso ou apropriação da língua, em situações sociais concretas de
intercâmbio linguístico. Se encarada como objeto de estudo - um sistema a ser
identificado e descrito - o objetivo passará a ser o conhecimento consciente do
sistema linguístico, saber a respeito da língua. A ênfase num ou noutro
caracteriza um ensino prático ou mais teórico.
Deve-se
ressaltar, contudo, que a ênfase dada a um deles não exclui o outro, e que no
ensino de 1º grau deve predominar o desenvolvimento das habilidades de
comunicação sobre a aquisição de conhecimentos a respeito da língua, uma vez
que outros conhecimentos a respeito da língua só podem ser desenvolvidos nos
alunos a partir de um bom domínio da mesma por parte deles.12
Um modelo linguístico
aplicável ao ensino deveria, segundo LOBATO, englobar, além dos elementos
propriamente linguísticos, principalmente outros aspectos tais como o contexto linguístico
dos falantes e as variações no uso da língua pois dominar uma língua
significa dominar, além das regras de boa formação de frases, os princípios e
condições de utilização adequada dessas frases num dado contexto linguístico e
numa dada situação de comunicação.13
Essa
abordagem tem merecido, recentemente, especial atenção dos sócio linguistas e,
nesse campo, os estudiosos têm dado maior destaque ao aspecto sócio semântico
das opções linguísticas que caracterizam a heterogeneidade do uso da língua
entre uma determinada população.
Um das
linhas diretrizes desta investigação reside na tentativa de integração, na descrição
linguística, de considerações referentes aos contextos social e cultural em que
tem lugar o uso. Essa posição é atualmente assumida, com particular vitalidade,
por HALLIDAY, que se preocupa não apenas em propor um modelo estático das
estruturas linguísticas, mas, também, em mostrar como estão integradas no
sistema linguístico as possibilidades funcionais da língua: para ele a língua é
o que é pelas funções que desempenha, Em suma, para ele não há distinção entre
estrutura e uso, estando ambos interligados.
Tendo em
vista os aspectos acima apresentados, a adoção da teoria linguística de
HALLIDAY parece relevante para a reformulação do ensino da Língua Portuguesa, à
medida que HALLIDAY, tomando por base uma visão sociolinguística peculiar,
amplia as concepções correntes de língua, passando a entendê-la como um sistema
de opções comportamentais. Consequentemente, essa concepção possibilitará uma
nova metodologia, mais dinâmica para o ensino vernáculo.